7 é conta de mentiroso; 8 é o infinito de pé.
Enquanto Morel 8 é preparada, que tal a gente abrir este canal de conversa?
Buenas!
Neste quase ano e meio, 7 edições de Morel chegaram a um seleto fã-clube. Quase não acredito que reinventamos do nada esta coisa tão fora de moda quanto uma revista. E ainda por cima uma revista impressa on demand, de um jeito quase artesanal, com todo o carinho e o cuidado da Ipsis. Então por que não voltar um pouco mais no tempo da comunicação vintage e… te mandar uma carta?
É que muita coisa fica de fora daquelas 88 páginas (que a partir do número 7 ganharam a companhia de mais 16, no caderno Intervalo). Assim, a partir de agora, você vai receber notícias de universos e pessoas atemporais entre uma edição e outra. Se não curtir, tranquilo: é só apertar o botão me coloque fora disso lá embaixo (vulgo “unsubscribe”). Nesta newsletter número 1 vamos puxar 7 assuntos.
Falava do infinito, este 8 deitado, “um dos deuses mais lindos”, para Renato Russo, e lembrei… do Elon Musk. Bilionários das big techs como ele devem sonhar com o infinito toda noite (uma noite infinitamente tediosa). É o suprassumo da riqueza: viver pra sempre. No caso de Musk, se mandar para Marte, conforme seu plano maquiavélico. Tuitar lá do planeta vermelho para os miseráveis fritando aqui no aquecimento terráqueo… qual a graça? (Na Morel 8 falaremos mais disso, aguarde.)
Para futurólogos como Ray Kurzweil, a imortalidade está a meros 7 anos. Neste instante será atingida a Singularidade - o momento em que a humanidade vai sair do banco de motorista e pular pro de passageiro, deixando o volante nas mãos das IAs, segundo seu livro A Era das Máquinas Espirituais. Com o lançamento do ChatGPT, muitos creem que a Singularidade pode até chegar antes. Não é o que acha a artista e pensadora Giselle Beiguelman - criadora da imagem acima - , em seu ensaio na Morel 7, “Máquinas companheiras”.
Imortalidade foi um dos assuntos que tratei com Martin Amis, num papo há 12 anos. Depois de ganhar a vida eterna na escrita, com livros geniais como Dinheiro e A Flecha do Tempo, o escritor inglês encantou-se sexta 19 de maio. No nosso papo, batido para a finada revista Alfa, o foco foi envelhecimento e morte, e Amis era contrário à Singularidade: “O problema da imortalidade não é que a vida não termina; é que ela nunca começa de verdade”, disse, com a verve de sempre. Nem só de temas lúgubres tratamos: na entrevista, ele falou bastante de política e de sexo, claro, um de seus assuntos favoritos.
Começar, terminar: onde ficam as fronteiras de um poema? Marília Garcia tem brincado com várias possibilidades entre a poesia e a prosa em seu novo livro, Expedição: Nebulosa (Cia das Letras). Outro dia, em meu curso de literatura, surgiu a questão: qual a diferença entre poesia, prosa, prosa poética e poema em prosa? O assunto é difícil de ser resumido. Cheguei a esta tentativa de conceito: um poema não se resume.
Você não fala “este poema é sobre isso”, como poderia falar de um romance, de uma peça, de um conto, de um filme. O poema é a coisa. Tipo música. Você não diz “esta música do John Coltrane é sobre transcendência”. Os poemas de Marília não são resumíveis a um verso, a uma estrofe, uma parte. São poemas longos, conversam com a forma ensaio. Tateiam sensações, emoções, teorias.
A poesia de Marília não é muito instagramável (e isso, em tempos de consumo e esquecimento imediatos, é uma bênção). Dizia Cynthia Ozick que o ensaio é a mente quando brinca. Então os poemas da Marília cartografam essa brincadeira. Aliás, o esperto leitor de Morel 5 já teve acesso a um dos poemas de Expedição: Nebulosa. No poema que intitula o livro, Marília trata do que chamei de síndrome da paisagem fantasma - quando você está em um lugar mas tem a impressão nítida de que está vivendo em outro.
Carioca, a poeta demorou pra se acostumar com SP: uma ladeira do Paraíso a fazia se sentir em uma ladeira de Laranjeiras. Então Marília chega ao conceito de cidade-palimpsesto, no qual camadas imaginárias se sobrepõem, se revelam ou se escondem, à medida em que passeamos pelas ruas. E o que isso tem a ver com o que falei lá atrás, sobre a falta de síntese do poema? Exatamente: você precisa ler o poema para ter a sensação da caminhada. Porque a sensação da caminhada faz parte do próprio poema. O movimento é constitutivo da escrita. Você já tentou resumir um movimento? É como comparar dança com arquitetura… Um trecho:
E uma fotografia, se resume? Esse clichê “uma imagem resume mil palavras” não passa disso: um clichê. Uma das imagens mais controversas desde 2023 é a foto de Gabriela Biló que mostra Lula através da vidraça estilhaçada do palácio do Planalto - o presidente está com a mão no peito e os olhos baixos, e a leitura, para bom entendedor, é direta: Lula está sob ataque. Disruptiva, a imagem foi criticada por ser entendida como montagem, e não instantâneo, procedimento esperado segundo os padrões do fotojornalismo. Ocorre que Gabriela não fez montagem, e sim dupla exposição: fez um clique da vidraça, segurou o clique, mirou em Lula e só então concluiu a operação.
O olho da repórter, portanto, estava no mesmo lugar em ambas as imagens - trouxe ao leitor da Folha de S.Paulo uma possibilidade de observação da História presente naquele lugar e naquele momento para qualquer um que tivesse olhos para ver. Desde o primeiro instante defendi a imagem por sua narrativa e sua inventividade (que IA teria um insight desses?). Uma foto imortal traz mais de mil palavras: traz toda uma história (é o conceito do meu ensaio “Calvino, Carver, Farocki e a Notre-Dame de Paris”, publicado na revista Zum).
E a história por trás desta imagem não começou na Intentona de 8 de Janeiro - talvez tenha começado em Junho de 2013. É o que a combativa fotógrafa conta em A Verdade Vos Libertará (Fósforo). O belo volume, desenhado por Pedro Inoue (diretor de arte da revista Adbusters), tem participações do podcast Medo e Delírio em Brasília e textos de Patricia Campos Mello, João Wainer, Juliana Dal Piva, Atila Iamarino e Miriam Leitão (e impresso lindamente pela Ipsis).
Junho de 2013 faz aniversário de 10 anos semana que vem e logo pipocarão reportagens, ensaios e livros analisando o que raios aconteceu naquelas ruas incendiárias. Morel se adiantou e, no aniversário de 9 anos da explosão que mudou a política brasileira, convocou o fotógrafo Rafael Vilela, o Pira, da Mídia Ninja, e os ativistas Rebeca Lerer e Pedro Ribeiro Nogueira.
No ensaio “Nove vezes Junho” (Morel 3), Pira conta a experiência que o levou a este clique clássico na avenida Paulista, 13 de junho de 2013. Um humilde catador de recicláveis caça uma latinha do painel de uma marca patrocinadora da Copa do Mundo de 2014 - para quem não lembra, uma demanda dos manifestantes era “queremos escolas e hospitais padrão Fifa”, daí o protesto incendiar este totem de propaganda. Quanta coisa pode estar contada em uma só imagem?
“Documentei 2013 nas ruas de SP, BH e Rio pela Mídia Ninja, organização de que fui um dos cofundadores. Minha perspectiva como documentarista não foi de neutralidade ou imparcialidade: estava ali também como manifestante, interessado nas pautas e nos debates levantados pelas ruas. Olhando as imagens hoje tenho certeza que aquele momento guardava muitas chaves, símbolos e caminhos do Brasil contemporâneo”.
Pra fechar este 7 em chave de 8, vai aí um cartum da Carol Ito (nossa colaboradora nas Morel 5 e Morel 6 ), roubado de sua página. Em junho, a Morel 8 traz uma matéria especial com nossa eterna rainha ;)
PS. Hoje é meu aniversário. Cheers!
Um abraço,
Ronaldo Bressane
editor
A revista Morel é publicada pela IpsisPUB, divisão editorial da Ipsis. Trimestral, Morel não tem versão digital, mas você pode seguir seu perfil aqui. Todos os números de Morel podem ser comprados ou assinados diretamente no site da IpsisPUB.
Parabéns! Que seja uma de muitas outras cartas ⭐️
Parabéns! É bom ver você aqui na vizinhança. :)