MOREL 10, Verão.
O décimo número de Morel faz tic para o apocalipse e tac para um sorvete. O sol que afaga é o mesmo que apedreja: Morel até alivia o seu calorão existencial, mas jamais tapará o sol com a peneira.
> Capa e entrevista
Conversei com Ana Frango Elétrico, cantore, compositore e poete carioca, sobre o processo de criação do brilhante álbum Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua e, sobre sua “confusão” de gênero. Ensaio de Hick Duarte.
> Capa fotográfica
Em grande reportagem, o fotógrafo Araquém Alcântara sobrevoa a Amazônia para desbravar a maior seca dos rios Negro e Solimões e encontra os esqueletos dos maiores rios do mundo.
> Poesia inédita
Os poemas do maravilhamento, no próximo livro da lendária Ledusha Spinardi.
Diário de um verão psicodélico de Júlia de Carvalho Hansen.
Os doloridos versos da franco-palestina Olivia Elias, na tradução de Marília Garcia.
Ana Cristina Cesar em um flagrante praiano na Búzios dos anos 1980.
> Ficção inédita
O celebrado Milton Hatoum narra o último encontro de dois soldados na Palestina acossada pelo apartheid, a limpeza étnica e o genocídio.
Autora do controverso Pandora, Ana Paula Pacheco descreve os encontros sexuais entre uma professora de literatura e uma capivara.
Em uma autoficção tocante mas bem-humorada, José Falero despede-se de sua mãe.
Marcelo Labes aborda as enchentes em Santa Catarina com leveza e assombro.
Torrado pelo aquecimento global, André Czarnobai pergunta: e se ele fosse o Sol?
> Intervalo
No caderno de 16 páginas dedicado à arte sequencial, a globetrotter PowerPaola conta a história de um gato que, incomodado pelo calor, vai a uma barbearia.
> Crítica
Com muito sarcasmo e indiretas à clef, o ilusionista polaco James Joyce Pascowitch aponta dez tendências quentes na literatura contemporânea brasileira.
> Ensaio fotográfico
O brasileiro-catalão J.R. Duran flagra os bouquinistes de Paris em pé de guerra com as Olimpíadas, que ameaçam retirar as clássicas bancas de livros das margens do Sena.
> Ensaio auto/foto/outro/biográfico
O pesquisador Rafael Cosme, que fuça antiquários, sebos e leilões em busca de tesouros do Rio antigo, deu o mote para o ensaio do historiador Felipe Charbel sobre a aposentadoria na praia.
> Artes visuais
As pinturas expressionistas de Luiza Gottschalk conversam com as ficções da edição.
> Cartum
Os marombeiros intelectuais do inesgotável Allan Sieber.
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Xô-chororô
Como não sei ver defunto sem chorar, aqui vão meus vinte centavos sobre a polêmica decisão da Fuvest em somente listar livros de autoria feminina nos próximos três vestibulares. Rememorando: além do editorial do Estadão e da reportagem da Folha questionando a disruptiva medida – que, como se sabe, influencia todos os vestibulares do país –, seguiu-se um ambíguo manifesto assinado por intelectuais de peso como Roberto Schwarz, Leyla Perrone-Moisés, Renato Janine Ribeiro e Marilena Chauí, coroado por uma crônica opinativa do meu truta Antonio Prata neste domingo, quando a Folha abriu espaço para as explicações da Fuvest.
É sobre poder, estúpido!, a leitora e o leitor sagazes já sacaram. Ou será que nos 35 anos em que a Fuvest só listou livros escritos por homens a gente leu algum manifesto ou furibunda crônica dominical? Claro que não. Pra lembrar uma das minhas bandas favoritas, trata-se do famoso FEAR OF A BLACK PLANET (título clássico do Public Enemy, contém “Fight the power”). Assusta toda materialidade que não seja hegemonicamente branca, sudestina, heterossexual, eurocêntrica, ou seja, o padrão espetado nos postos de poder. Já pensou se nos próximos vestibulares a Fuvest só indicar livros escritos por pessoas pretas, gays, trans? Gente que só entrou pelo cânone na base do pé na porta, e não do favor, do privilégio e do mais do mesmo?
Eu mesmo não gostei 100% da lista de autoras. Incluiria mais contemporâneas mortas ou vivas, Ana Maria Gonçalves, Marilene Felinto, Elvira Vigna, Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst. Mas curti a mexida. Suscita discussões, tira o bolor das listas anteriores, pauta paixões. E qualquer pessoa mais informada sabe que centrar o vestibular nesses nomes não necessariamente indica que os currículos universitários eliminarão Machado de Assis, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Mario de Andrade, Guimarães Rosa. Aliás... dê uma olhadinha na lista de medalhões que assinou o manifesto, pesquise quem é especialista nesses autores... e ligue os pontos.
Por falar no manifesto: o cara que escreveu “Machado de Assis inventa a mulher como subjetividade marcada por desejo e sexualidade não monogâmica” só pode ser da turma que acredita na lorota “Shakespeare inventou os sentimentos”. Então o corporativismo acadêmico transformou o Bruxo do Cosme Velho na Rita Lee e só eu não vi? Assim tuitou o Arnaldo Branco: “Um amigo perguntou pra responsável por uma lista de palestrantes mais inclusiva numa feira literária se o recorte principal não deveria ser o talento e ouviu: quanto escritor branco medíocre você não viu nesse palco?”. Como dizem os jovens, “é sobre isso”.
Última #pilhadeleiturasperdidas de 2023
15
Patos, de Kate Beaton (WMF Martins Fontes, trad. Caroline Chang). Pra pagar o empréstimo estudantil que quebrou a família, uma garota dos cafundós do Canadá vai pra onde Judas perdeu as botas (também no Canadá) trabalhar em uma mina de areias betuminosas. Embora o traço seja leve e rápido e o tom bem-humorado, Beaton mostra como ser a única garota no meio de 50 caras isolados não foi brinquedo – assédio sexual, pânico moral, abuso de drogas, ofensas e estupros formam a base do cardápio. A brutal colonização anglofrancesa, o massacre indígena e a poluição ambiental também são temas - ao lado, claro, da solidariedade entre os fodidos e as amizades mais improváveis. A graphic novel levou dois prêmios Eisner.
14
Select 60. Publicada há 12 anos, a revista de arte e cultura chega ao 60º e último número – em 2024 será substituída pelo projeto Celeste. Nomes como Cao Fei, Tamar Clarke-Brown, Christian Dunker, Orlan, Giselle Beiguelmann, Emanoel Araújo, André Capilé, Ian Uviedo, Keyna Eleison e este que vos niusleta abordam artes e artistas que transitam pela metarrealidade, isto é, a cópia, a paródia, a ironia e a dissolução entre gêneros.
13
A Escrita como Faca e Outros Textos, de Annie Ernaux (Fósforo). Em entrevista e em conferência ao Nobel, a grande mestra da autosocioficção refaz suas referências, justifica escolhas estéticas e revisita os obstáculos que atravessou para realizar seu projeto artístico: uma escrita que conjuga o pessoal e o universal, o local e o histórico, a narrativa e o ensaio.
12
Tupac Shakur: A Biografia Autorizada, de Staci Robinson (Best-Seller). Se você busca uma resposta para a misteriosa morte do rapper, este não é o livro. Muitas conspirações ainda cercam o artista que renovou o hip hop dos anos 1990, explodiu na cena r’n’b e desapareceu aos 25 anos. Mas Robinson, amiga da família, prefere demonstrar como sua existência foi política do túmulo ao berço – batizado pela mãe, uma Pantera Negra, em homenagem ao imperador inca Tupac Amaru.
11
O Coração do Dano, de María Negroni (Poente). Uma das mais proeminentes críticas argentinas reescreve aqui a Carta ao Pai kafkiana, porém dirigida à sua mãe: “A literatura é uma forma de rancor”, diz ela, que à revelia materna se tornou escritora.
10
Siriricas Tristes e Outras Infelicidades, de Carol Ito (Veneta). É possível broxar no meio da masturbação? Como rola um ménage entre o crush e a terapeuta? Quais são os tipos de siririca? Será um sex toy melhor que um trash boy? A cartunista e jornalista paulista investiga com sua lupa divertida a dor e o prazer do sexo solitário feminino.
9
A Leste dos Sonhos, de Nastassja Martin (Editora 34). A antropóloga francesa, autora do sucesso repentino Escute as Feras, em que narra como quase morreu ao ser atacada por um urso na Sibéria, retorna ao norte gelado para reencontrar o povo even. Munida de um ouvido paciente e atento, Martin reflete sobre o colonialismo, o aquecimento global e a virada etnográfica em que o Outro pode ser a salvação do planeta.
8
Reviravolta de Gaia, de Mariana Lacerda e Rivane Neueschwander (Cobogó). A manifestação política-cívica da cineasta e da artista visual, que estremeceu as ruas de SP no finzinho da pandemia, é documentada em ricas imagens – e também por ensaios de gente como Peter Pál Perbart e Lisette Lagnado e entrevistas com Achille Mbembe e João Tukano.
7
Triângulo das Águas, de Caio Fernando Abreu (Companhia das Letras). Três novelas curtas experimentais, há muito tempo fora de catálogo, formam o “mais atípico” dos livros do autor gaúcho, segundo ele mesmo. Escritas em rompantes, tratam de encontros amorosos, desencontros literários, embates com a noite e com o desregramento dos sentidos – trata-se de um livro sobretudo físico, em que o corpo, seus desejos e mistérios, é o centro motor.
6
Black Music, de LeRoi Jones a.k.a. Amiri Baraka (Sob Influência). Um dos grandes críticos musicais estadunidenses, nesta coleção de ensaios Baraka conta como viu de perto a ascensão de John Coltrane, Ornette Coleman, Sun Ra, Pharoah Sanders, Thelonious Monk, Don Cherry, Wayne Shorter e muitos outros nomes do free jazz, do afrofuturismo e da grande tomada de consciência negra nos anos 1960.
5
Faça-os ler! Para Não Criar Cretinos Digitais, de Michel Desmurget (Vestígio). Mais de 80% dos brasileiros não compraram livros em 2023, segundo estudo da Câmara Brasileira do Livro. Buscando alterar esta triste realidade alimentada pelo excesso de streamings, redes sociais, games e outras estratégias narrativas que privilegiam o superficial, Desmurget ensina aqui como fazer o livro se tornar algo novamente interessante para crianças e adolescentes.
4
Violência, de Fernando Bonassi (Record). Em uma espécie de releitura de Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, o romancista e roteirista paulistano descreve um jantar em uma mansão que é brutalmente atravessado por bandidos sanguinários. Mas, enquanto Fonseca acenava com uma possível vingança social dos miseráveis, Bonassi é niilista: para ele, não há saída cordial no Brasil onde todos lutam contra todos e não existe compaixão nem solidariedade.
3
Quadrinhos dos Anos 20, de André Dahmer (Quadrinhos na Cia). Uma das brilhantes sacadas do prolífico cartunista carioca foi a criação do personagem Algoritmo, um serzinho de roupa amarela, capacete e foguetinho nas costas, espécie de demônio moderno que nos atazana o tempo todo com suas sugestões consumistas completamente amorais (e viciantes).
2
Os Grandes Casos do Disque Denúncia, de Mauro Ventura (História Real). O premiado jornalista seleciona 6 histórias do famoso serviço anônimo do Rio de Janeiro que, depois de 30 milhões de ligações, solucionou milhares de crimes e prendeu mais de 20 mil bandidos. O que emerge aqui são relatos espantosos de crime – mas também de miraculosa humanidade.
1
Monica, de Daniel Clowes (Nemo). Grande gênio dos quadrinhos contemporâneos, Clowes usa uma única personagem para ir e voltar no tempo em várias narrativas que transitam da ficção especulativa ao lirismo mais sorrateiro, do místico ao histórico – uma experiência de imersão na nona arte em um nível a que poucos artistas chegaram.
Nova tripulação do Submarino
Meu curso de ficções breves abre turma em 22 de janeiro. Oito encontros via zoom, toda segunda, entre 19h30 e 22h30, teoria e prática. Bora?
Gracias pela leitura!
Abraços & boas festas,
Ronaldo Bressane