Leitura dinâmica
Morel #12 + 10 dicas de livros incríveis pra você curtir no finzinho de inverno
A edição de Inverno de Morel celebra o corpo e suas máscaras. E de disfarces entende Silvia Machete.
Entrevista
Desde o número 1, Morel entende que as cantoras têm uma percepção extra-sensorial para o pulso dos nossos dias. Ao leitor cabe fazer o que Ulisses não soube, cercado de sereias: ouvi-las. Assim, à companhia de Marina Sena (Morel 1), Duda Brack (5), Xênia França (8) e Ana Frango Elétrico (10), se acrescenta a intrépida voz de Silvia. A cantora e compositora carioca é flagrada pelas lentes psicodélicas de Gabriela Schmidt e detalha sua trajetória fascinante, dos discos de jazz da avó em Nova York, passando pelas praças de Europa, EUA e Oceania onde praticava artes circenses e morava em um caminhão, até sua nova encarnação como Rhonda, uma cigana que vive num conversível aditivado por bambolês, R’n’B & drinques coloridos. Críticos de todo o país apontaram Invisible Woman como um dos melhores álbuns de 2024.
Se eu fosse...
Morel está atenta do underground ao pop, então outra cantora canta na edição: Taylor Swift, em possessão de frases e trejeitos pelo médium J.P.Cuenca, delineada por nosso exímio diretor de arte, Eduardo Kerges.
Fotografia
Christian Gaul envia de Berlim um ensaio exclusivo com artistas do shibari e do bondage, que desbravam novas fronteiras para o corpo, novas sexualidades, novos limites para o amor.
Não há bordas também para os corpos fantásticos garimpados pelo mundo por Autumn Sonnichsen, que revela atletas olímpicos, paralímpicos, dançarinos, libertinos, soltos de peso, só poesia e suor.
E há espaço ainda para os corpos fantasmagóricos nas estradas perdidas de J.R.Duran, viajante incansável atrás de paisagens que nenhum GPS captura.
Ficção
Luiza Geisler conta a história de uma estudante que ouve um estranho encontro se desenrolar no aposento ao lado e se inquieta: se intromete ou deixa rolar?
Histriônico, André Sant’Anna se entranha no corpo de um jogador de futebol que acredita mesmo em Deus.
Em registro gótico, Cristhiano Aguiar ressuscita o mito do poeta Augusto dos Anjos para uma nova incursão entre os ainda vivos.
Ainda no timbre soturno, Marcelino Freire apresenta um fragmento de seu romance inédito Escalavra, uma história de pai e filho enterrados no sertão.
O horror também está presente nos corpos afogados, lembrança da tragédia recente no Sul, no cartum sensível de Tali Grass.
Sem pressa, o cronista Ricardo Terto traz um ensaio sobre o tempo acelerado que vivemos.
Intervalo
No caderno dedicado à arte serial, a escritora Michelli Provensi revisita seus pesadelos como modelo de passarelas, sonhos imaginados pelos pincéis surrealistas de Odyr Bernardi.
Artes visuais
Colorindo as ficções desta edição e também nas guardas de Morel, a pintora Marcela Cantuária imprime direto na tela a revolução dos corpos contemporâneos.
Retrato calado
Uma crônica sobre a passagem de Paul Auster pelo Brasil na Flip de 2004, clicado por Bruno Torturra.
Poesia
“Adília Lopes diz que a literatura é uma chaise-longue/ o corpo descansando que nem um calango ao sol”, sussurra o poema de Luiza Leite.
Já Reuben da Rocha faz o tempo suspender em seu poema em prosa.
“O que paira/ por um segundo/ antes de desaparecer”, nos versos de Marcelo Montenegro.
Morel é uma revista impressa on demand em papéis especiais pela IpsisPUB. Pode ser pedida direto aqui no site da Ipsis.
#pilhadeleiturasperdidas
Romance, biografia, contos, crônicas, música, artes visuais, história, jornalismo: uma seleção dos melhores livros para você curtir o finzinho do frio do inverno
10. Amizade forçada
Vencedora do National Book Award com O Amigo, romance que está sendo adaptado ao cinema por Naomi Watts, a estadunidense Sigrid Nunez traz uma premissa original em Os Vulneráveis (Instante, trad. Carla Fortino). Bem-humorada, erudita e sensível como em sua biografia de Susan Sontag, Nunez acompanha uma escritora que tem a missão de cuidar, durante a quarentena, da casa de uma amiga, que está sendo ocupada por um estudante folgado e… um papagaio.
9. O misógino e a feminista
Em Querido Babaca, a francesa Virginie Despentes (Teoria King Kong, A Vida de Vernon Subutex) reinventa As Ligações Perigosas em chave de disputa política: um romance epistolar entre uma atriz famosa e um escritor decadente. Cancelado depois de uma acusação de assédio, Oscar troca emails nem sempre muito lisonjeiros com Rebecca, que revela a misoginia e o descompasso dele com o mundo contemporâneo, mas também não deixa de ouvi-lo e de expor suas próprias ambivalências e fragilidades. Um elogio às contradições e nuances em um mundo contaminado pelas polarizações.
8. Antropofagia do século 21
O piauiense Odorico Leal estreia contando histórias de um Macunaíma imortal e canibal, dois gatos que ridicularizam sua dona, um sujeito que lamenta sua feiúra para Umberto Eco, o movimento político Getulinhos e um músico que vira pai de planta após ser largado pela namorada. Um dos melhores livros de contos de 2024 (Ayiné).
7. Titã em cores
Em Pré-Sal (Cobogó), Nando Reis revisita a canção homônima em um caderno de imagens nonsense como sua letra: “Se o mundo Mysoline evitasse convulsão/ na mesa o Epelin listrado dois Pablo Forlán/ a estátua do Jardim Guedala um sepultar do anão/ na telha hexagonal sem graça o guaraná/ guarda em segredo a distração”.
6. Pintor fichado
Um dos artistas mais potentes do século 20, Picasso já foi objeto de dezenas de estudos e biografias. Mas em Picasso, o Estrangeiro (Record, trad. Alberto Flaksman) a pesquisadora Annie Cohen-Solal adota um viés diferente, com o apoio de centenas de arquivos oficiais, alguns extraoficiais, como da polícia nazista durante a ocupação na França, mostrando que as transgressões do artista catalão eram vigiadas com lupa.
5. Latim para crianças
Em Sándor Lénard no Fim do Mundo, o historiador catarinense Fernando Boppré refaz, em um precioso livrinho editado pela Humana, de Chapecó (SC), a trajetória ímpar do escritor e tradutor húngaro Lénard, que cometeu a proeza de verter O Ursinho Pooh ao latim e transformar o infanto-juvenil no único bestseller do NYT nesta língua.
4. Cronicamente inviável
Que gênero melhor do que a crônica para contar a história do Brasil de 2013 para cá? E que cronista melhor que Xico Sá - que, até o sabiá do Rubem Braga sabe, é o melhor em atividade? Os rumores sobre a morte do gênero têm sido apressados. Não é porque os jornalões estão em decadência e demitiram de suas páginas craques como Gregório Duvivier e Sérgio Augusto que a crônica deixaria de migrar para sites, redes sociais e newsletters. Aliás, foi na internet mesmo que Xico começou a cronicar, ainda na década de 1990, na página O Carapuceiro, praticando a chamada calúnia social. Em dezenas de textos deliciosos, Cão Mijando no Caos (Galáctico) conta a História do ponto de vista do repórter político de faro fino e do escritor com olho vivo para tratar a língua com humor e graça. Capricha, professor!
3. Fora, realismo
Com esta edição de Os Passos Perdidos (trad. Sérgio Molina, posfácio de Leonardo Padura), a nova editora Zain recoloca em circulação a deslumbrante linguagem de Alejo Carpentier. O cubano é um dos expoentes do realismo maravilhoso, expressão que ele preferia usar em vez do realismo mágico de seus colegas de boom, García Márquez, Juan Rulfo e Julio Cortázar, entre outros. Para ser lido sem pressa, o romanção conta a história de um compositor que pesquisa instrumentos musicais em aldeias da Venezuela - e acaba chegando às nascentes da linguagem.
2. Uma turca na Rússia novaiorquina
Com Ou-Ou (Cia das Letras, trad. Odorico Leal), Elif Batuman retoma sua personagem Selin, de A Idiota, mas agora deixa um pouco de lado a investigação sobre Dostoiévski e, como boa universitária, com uma tremenda vontade de enfiar o pé na jaca e encher a caveira de vodka. Um coming of age tão cabeçudo quanto divertido.
1. A história das pistas de SP
É o tipo de livro escrito pela pessoa certa: Camilo Rocha, jornalista especializado em tecnologia e música eletrônica, também é raver e clubber de primeira hora, além de DJ afiado como poucos. Em Bate-Estaca, um belo volume da Veneta, ele abre seu baú de causos para explicar que, para que o brasileiro Alok virasse um dos DJs mais assediados no planeta, há 30 anos muita gente teve que fazer carão, correr da polícia e bater o pezinho nas pistas mais imundas de SP, hoje uma das capitais mundiais da música eletrônica. Com bate-papo entre Camilo e a também DJ e jornalista Claudia Assef, o livro vai ser lançado nesta sexta 26-7 na Megafauna.
Gracias pela leitura,
abraços
Ronaldo Bressane